Em primeiro lugar, podemos afirmar com toda segurança que o perfil do Mecânico vem mudando radicalmente desde que a a Eletro-eletrônica assumiu um papel de extrema e vital importância a bordo de qualquer veículo que vem sendo fabricado desde há mais de 30 anos.
Esta certeza está baseada nos mais de 50 anos de experiência que temos na área, muitos cursos de especialização, estágios técnicos, participação em feiras e congressos técnicos no Brasil, Alemanha e Estados Unidos, além da resolução de muitos problemas técnicos complicados(ou até nem tanto). Poderíamos até escrever um livro contando as histórias que protagonizamos ao longo desta nossa trajetória profissional.
E, para começar a minha jornada como colunista deste jornal, passo a descrever uma das minhas experiências mais marcantes no que diz respeito à um item do conhecimento básico de eletricidade cuja falta ainda hoje dificulta a solução de problemas eletro-eletrônicos em geral. Esta história aconteceu em Porto Alegre há mais de 30 anos, quando eu estava iniciando o meu trabalho de fornecimento de treinamentos automotivos de forma independente.
Fui chamado em uma oficina para resolver um problema de que a lâmpada do painel que indica a carga do alternador não estava acendendo e que já teriam sido feitos todos os testes elétricos possíveis, substituídas várias peças, incluindo a própria lâmpada, e o problema continuava sem solução.
Para começo de história, devemos esclarecer que a lâmpada em questão faz parte de um circuito do alternador, chamado de pré-excitação, e que o fato de ela não acender não significa sòmente que o motorista não vai ter uma das informações importantes sobre a carga da bateria, mas também que o alternador vai demorar mais para iniciar a carregar depois de se colocar o motor em funcionamento.
A primeira coisa que fiz foi a de questionar o profissional da oficina, ou seja, o eletricista, sobre os procedimentos e equipamentos de diagnóstico que ele teria usado para chegar à solução do problema. Ele usou todas as estratégias e procedimentos que ainda hoje quase todo mundo usa num caso destes, ou seja, usou um multímetro para medir a continuidade e tensão em circuito aberto. Primeiro tirou a lâmpada do painel e testou direto na bateria; a lâmpada estava boa. Depois mediu a tensão no soquete da lâmpada(sem a mesma no lugar), com a chave ligada. Chegava tensão da bateria. Para completar testou a continuidade entre o alternador e o terminal negativo do soquete da lâmpada. Tudo OK. Chegou à conclusão de que o defeito estaria no alternador e trocou as escovas, o rotor e o regulador de tensão. Mas o problema persistia, ou seja, a lâmpada continuava não acendendo.
Qual seria então o “mistério” envolvido no problema? Qual(ou quais) teria sido o primeiro erro que ele cometeu no diagnóstico? E este erro básico continua a ser cometido até hoje em muitos casos em que problemas elétricos demoram muito a serem solucionados. Tenho visto isto acompanhando as discussões nos grupos de Watts e vídeos no Youtube. E o pior disto é que as próprias pontas de teste que acompanham o multímetro favorecem a ocorrência deste erro. Vou explicar isto melhor e de forma mais efetiva em próximas matérias.
O maior erro neste caso foi a medição de tensão no soquete da lâmpada sem a mesma no lugar, considerando que a mesma estava boa e o respectivo soquete em boas condições de contato. Mesmo assim , antes de ter sido feita esta medição, mesmo correta, o que teria que ser feito seria uma ponte entre o D+ do alternador e a massa, com a finalidade de descartar qualquer problema no alternador. Se a lâmpada acendesse neste teste confirmaria um problema de alternador, evitando a troca indevida das peças e da mão de obra de retirada do alternador para o reparo. Se o profissional que fez o diagnóstico soubesse ler um diagrama elétrico e conhecesse as características básicas do circuito e do sistema de alternador, teria simplificado a solução deste problema. Feita a medição da forma correta, ou seja, com a lâmpada no lugar(e acesa, é óbvio), constatamos que a tensão que chegava no soquete era de 2 volts, ao invés de 12 Volts. Isto confirma uma queda de tensão de 10 volts neste circuito. O próximo passo seria descobrir em qual parte(positiva ou negativa) do circuito que estava com o problema. Para chegar a esta conclusão medimos a tensão entre o pólo negativo do soquete da lâmpada e o terminal positivo(linha 15) que chega no conector do painel e que vai para o positivo do soquete da lâmpada. Chegava 12 Volts, confirmando que o problema estava no trecho positivo da trilha do circuito impresso(flexível) do painel. Após tirar o painel do lugar e fazer uma inspeção visual da referida trilha contra a luz, não foi constatada nenhuma ruptura na mesma. Mesmo porque as trilhas de circuito impresso vêm normalmente revestidas de uma película de verniz para evitar umidade e oxidação.
Com a certeza de que o problema estava nesta trilha do circuito impresso, restava uma das soluções: substituir o circuito completo do painel ou achar o ponto exato de mau contato na trilha e fazer uma ponte de fio de cobre. Pela dificuldade de se encontrar a peça, optamos imediatamente pelo reparo. Restava descobrir o ponto exato para o reparo. Para isto, tivemos que furar a película de verniz de intervalo em intervalo ao longo da mesma e achamos o ponto exato do mau contato. Feito isto, raspamos o verniz no trecho em questão e soldamos um pedaço de fio de cobre sobre a trilha. Pronto; problema solucionado. Para completar o serviço com a qualidade necessária, aplicamos novamente o verniz isolante adequado e concluímos o trabalho, montando tudo o que restava no painel.
Esta história real nos comprova o quanto é importante conhecer a lei mais básica da Eletricidade, que esclarece a relação entre as 3 grandezas mais elementares que envolvem qualquer circuito elétrico, ou seja, a TENSÃO, a CORRENTE e a RESISTÊNCIA. E, pelo que temos visto nas publicações na forma escrita em vídeos, ainda existe muito a ser esclarecido e ensinado sobre este assunto. Nos cursos que ministramos, usamos muitos recursos práticos para que este aprendizado e inclusive, o de temas mais avançados que são estudados, fique muito mais fácil para todos os alunos.
Temos a plena certeza de que esta história vai ajudar muita gente na solução de problemas do dia-a-dia da oficina. Em cada edição deste jornal, contaremos uma história real visando o aprimoramento da nossa classe.
Boa leitura.
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